TRABALHO DA MULHER – Proteção à Maternidade
Coronavírus: divulgadas medidas para garantir a proteção de trabalhadoras gestantes
Este Ato, que dispõe sobre a proteção à saúde e igualdade de oportunidades no trabalho para trabalhadoras gestantes em face da segunda onda da pandemia do coronavírus (Covid-19), recomenda que as empresas, sindicatos e órgãos da administração pública adotem as seguintes medidas e diretrizes para garantir a proteção de trabalhadoras gestantes:
a) retirar da organização das escalas de trabalho presencial as trabalhadoras gestantes;
b) garantir, sempre que possível, às trabalhadoras gestantes, o direito a realizar as suas atividades laborais de modo remoto (home office), por equipamentos e sistemas informatizados, quando compatível com a função;
c) Garantir que trabalhadoras gestantes sejam dispensadas do comparecimento ao local de trabalho, no caso de não ser compatível a sua realização na modalidade home office, com remuneração assegurada, durante todo o período em que haja acentuado risco de contaminação no convívio social, podendo ser realizado o afastamento pautado em medidas alternativas, como: interrupção do contrato de trabalho; concessão de férias coletivas, integrais ou parciais; suspensão dos contratos de trabalho (lay off), suspensão do contrato de trabalho para fins de qualificação, conforme disposto no artigo 476-A da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, entre outras permitidas pela legislação vigente, aptas a garantir o distanciamento social, tendo em vista a condição de grupo de risco;
d) garantir às trabalhadoras gestantes que, na impossibilidade da execução das funções na modalidade à distância, sucessivamente, seja adotado plano de contingenciamento, designando-as para outros setores de menor risco de contágio (seja em setores preferencialmente com atividade em home office ou setores com reduzido número de trabalhadores, em espaços arejados ou isolados), com direito a rodízio de escalas de jornada e a horários de trabalho que permitam o deslocamento por transporte público fora dos horários de maior movimento, quando não seja garantido o transporte fretado;
e) aceitar o afastamento de gestantes mediante atestado médico que ateste a condição gravídica, vedada a exigência de atestados médicos contendo CID – Código Internacional de Doenças, uma vez que a gestantes se enquadram no conceito de grupo de risco, não configurando o estado gravídico nenhuma patologia;
f) observar que a ausência de condições pessoais, familiares, arquitetônicas da trabalhadora gestante para realizar suas atividades em home office ou sua dificuldade de adaptação à essa modalidade de prestação de serviço não configura hipótese de justa causa para a rescisão contratual; e
g) alertar que a dispensa de trabalhadoras gestantes nesse período de pandemia pode vir a configurar hipótese de dispensa discriminatória.
O PROCURADOR-GERAL DO TRABALHO e o GRUPO DE TRABALHO GT COVID-19, instituído pela Portaria n. 470/2020, com fundamento na Constituição da República, artigos 1º, III, 5º, I e X, 7º, caput, IV, VI, VII, IX, XXII, XXIII, XXV, XXX, XXXI, XXXII, parágrafo único, 127, 129, II, III, V e IX, 170, caput, 196 e 231, na Lei Complementar n. 75/93, artigos 5º, III, alínea “e”, 6º, VII e XX, 10, 83, V, e 84, caput, Convenção nº 111 da OIT, promulgada por meio do Decreto nº 62.150/1968, e pela Lei nº 9.029/1995, na Lei n. 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde), no Decreto-lei n. 5.452/43 (Consolidação das Leis do Trabalho), Lei nº 8.080/1990, no Decreto n. 9.571/2018, em razão da pandemia do novo coronavírus (SARS-COV-2), bem como das medidas de contenção da doença anunciadas até o momento pelos órgãos governamentais, expedem a presente Nota Técnica, com o objetivo de indicar as diretrizes a serem observadas por empresas, pessoas físicas empregadoras, sindicatos e órgãos da Administração Pública nas relações de trabalho, a fim de garantir a proteção de trabalhadoras gestantes, mais vulneráveis ao contágio e efeitos da contaminação pela COVID-19 a partir de 1º de janeiro de 2021.
CONSIDERANDO que a Lei Orgânica da Saúde – Lei n. 8.080/90 prevê que a saúde é direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (artigo 2º, caput), deixando também claro que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade (parágrafo 2º);
CONSIDERANDO que o artigo 227 da Constituição da República estabelece ser dever da família, sociedade e Estado a garantia de proteção integral de crianças e adolescentes, como prioridade absoluta, incumbindo-lhes colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;
CONSIDERANDO a existência de estudo indicando aumento da morbimortalidade de gestantes e puérperas por Covid-19 no Brasil, indicando que nosso país responde por 77% das mortes de mulheres nesses casos em todo o mundo (https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/noticias/brasil-e-o-pais-com-mais-mortes-degestantes-por-covid-19), em que se registra que “o número de mortes em gestantes e puérperas é 3,4 vezes maior no Brasil que o número total de mortes maternas relacionadas à Covid-19 relatadas em todo o resto do mundo; ou seja, que a taxa de mortalidade é 12,7% entre as gestantes no Brasil, maior do que a taxa reportada em toda a literatura”.
CONSIDERANDO que, conforme previsto no “Protocolo de Manejo Clínico do Covid-19 na Atenção Especializada”, elaborado pelo Ministério da Saúde, o grupo de risco da Covid-19 está composto, entre outros, por grávidas em qualquer idade gestacional, puérperas até duas semanas após o parto (incluindo as que tiveram aborto ou perda fetal);
CONSIDERANDO as conclusões técnicas do Grupo Brasileiro de COVID e Gestação, documento editado em 14/10/2020:
Durante o período gravídico puerperal, ocorrem alterações no organismo da mulher para adaptação à gestação, ao processo de parto e ao retorno ao corpo de antes da gestação. As modificações fazem com que a mulher tenha uma imunodeficiência relativa, além de diversas alterações no sistema respiratório e circulatório, entre outros. Assim, durante a gestação mulheres estão mais propensas a complicações por infecções, especialmente àquelas causadas por vírus e fungos. Durante a pandemia de 2009, verificou-se que gestantes tem maior predisposição ao contágio pelo vírus Influenza A, e que esse vírus foi responsável pelo aumento da morbimortalidade materna.
O Brasil é o país com maior número de casos de morte de mulheres grávidas e no pós parto pelo COVID 19. Até o momento, 204 mortes de mulheres nesse período da vida foram publicadas, mas o número é ainda maior, já que esse dado se refere ao mês de junho. A morte materna está relacionada com a própria doença, que pode ser grave, mas principalmente com a falta de acesso ao sistema de saúde e as desigualdades sociais que são muito grandes no Brasil.
(…)
Pelos importantes riscos aventados até o momento para a saúde das gestantes, pela falta de qualquer tratamento farmacológico eficaz para prevenir ou tratar a infecção viral, pela alta possibilidade de contágio tanto no ambiente de trabalho, como na locomoção para chegar ao trabalho, recomendamos que gestantes e puérperas sejam afastadas do trabalho presencial.
CONSIDERANDO que pesquisas recentes apontam os sintomas de Covid-19 durante a gravidez podem durar muito tempo e têm um impacto significativo na vida e na saúde neste grupo de risco;
CONSIDERANDO que estudos recentes vêm demonstrando incidência de resultados perinatais adversos significativamente elevados quando a infecção por Covid-19 ocorre nos primeiros 3 meses da gravidez, tendo sido considerados resultados perinatais adversos o aborto antes das 22 semanas de gestação; morte fetal intrauterina após 22 semanas de gestação; morte neonatal nos primeiros 28 dias de vida e morte perinatal, definida como natimorto ou óbito neonatal;
CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5938 para declarar inconstitucionais os trechos de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho inseridos pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades em ambientes insalubres, e tendo em conta que a exposição ao risco de contaminação pela Covid-19 se equipara ao risco produzido pelos agentes insalutíferos, mormente se considerarmos a nova cepa da Covid-19, já identificada no Brasil, e em relação à qual não se tem nenhum estudo acerca de possíveis efeitos sobre o feto e a gestante, demandando, portanto, que se observe o princípio da precaução;
CONSIDERANDO que, ao equiparar o risco desencadeado pela Covid-19 às hipóteses de exposição a agentes insalutíferos, em razão do risco acentuado, e em face do princípio da precaução, é recomendável afastar as gestantes dos locais de trabalho que representem risco de contaminação, com preservação da remuneração;
CONSIDERANDO os termos da Nota Técnica 16/2020 do Grupo de Trabalho GT Covid-19, instituído pela Portaria 470/20, do Ministério Público do Trabalho, por meio do Procurador-Geral do Trabalho, que dispõe sobre a proteção à saúde de grupos de risco, dentre as quais, as gestantes, em qualquer idade gestacional e puérperas até duas semanas após o parto (incluindo as que tiveram aborto ou perda fetal);
CONSIDERANDO que a omissão no afastamento de gestantes durante o período de epidemia de Covid-19, independentemente da idade gestacional, pode atrair a responsabilidade civil (art. 186 do CC), administrativa e criminal (art. 132 do CP), dos agentes públicos responsáveis pela conduta omissiva;
CONSIDERANDO que a responsabilidade empresarial de não violar os direitos fundamentais de sua força de trabalho, de seus clientes e das comunidades, bem como a obrigação das empresas de monitorar o respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva a ela vinculada, conforme as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, reguladas no Decreto n. 9.571/2018;
CONSIDERANDO que a dispensa discriminatória é vedada pela Convenção nº 111 da OIT, promulgada por meio do Decreto nº 10.088/2019, pelo artigo 5º da Constituição da República e pela Lei nº 9.029/1995;
O GRUPO DE TRABALHO – GT COVID19 insta as empresas, sindicatos e órgãos da administração pública a adotar as seguintes medidas e diretrizes, para garantir a proteção de trabalhadoras gestantes:
01. RETIRAR da organização das escalas de trabalho presencial as trabalhadoras gestantes;
02. GARANTIR, sempre que possível, às trabalhadoras gestantes, o direito a realizar as suas atividades laborais de modo remoto (home office), por equipamentos e sistemas informatizados, quando compatível com a função;
03. GARANTIR que trabalhadoras gestantes sejam dispensadas do comparecimento ao local de trabalho, no caso de não ser compatível a sua realização na modalidade home office, com remuneração assegurada, durante todo o período em que haja acentuado risco de contaminação no convívio social, podendo ser realizado o afastamento pautado em medidas alternativas, como: interrupção do contrato de trabalho; concessão de férias coletivas, integrais ou parciais; suspensão dos contratos de trabalho (lay off), suspensão do contrato de trabalho para fins de qualificação (art. 476-A da CLT), entre outras permitidas pela legislação vigente, aptas a garantir o distanciamento social, tendo em vista a condição de grupo de risco;
04. GARANTIR às trabalhadoras gestantes que, na impossibilidade da execução das funções na modalidade à distância, sucessivamente, seja adotado plano de contingenciamento, designando-as para outros setores de menor risco de contágio (seja em setores preferencialmente com atividade em home office ou setores com reduzido número de trabalhadores, em espaços arejados ou isolados), com direito a rodízio de escalas de jornada e a horários de trabalho que permitam o deslocamento por transporte público fora dos horários de maior movimento, quando não seja garantido o transporte fretado;
05. ACEITAR o afastamento de gestantes mediante atestado médico que ateste a condição gravídica, vedada a exigência de atestados médicos contendo Código Internacional de Doenças (CID), uma vez que a gestantes se enquadram no conceito de grupo de risco, não configurando o estado gravídico nenhuma patologia.
06. OBSERVAR que a ausência de condições pessoais, familiares, arquitetônicas da trabalhadora gestante para realizar suas atividades em home office ou sua dificuldade de adaptação à essa modalidade de prestação de serviço não configura hipótese de justa causa para a rescisão contratual.
07. ALERTAR que a dispensa de trabalhadoras gestantes nesse período de pandemia pode vir a configurar hipótese de dispensa discriminatória prevista no art. 373-A, inciso II, do Decreto-lei n. 5452/43 (CLT) e art. 4º. da Lei 9.029/99.
Brasília, 14 de janeiro de 2021.
ALBERTO BASTOS BALAZEIRO
Procurador -Geral do Trabalho